O Brasil passou a contar com maior número de iniciativas de geração elétrica distribuída nos últimos anos, aproveitando especialmente as fontes eólicas e de biomassa. Existem, porém, alternativas pouco mencionadas nos planos oficiais, como a cogeração e a geração elétricas, instaladas em grandes consumidores de energia, mediante a queima de gás natural.
A matriz de energia nacional conta com grande participação da energia de origem hidráulica. No entanto, a capacidade de atender à demanda em fase de rápida expansão tem dado sinais inequívocos da necessidade de complementos. As distâncias entre as áreas de geração e as de consumo são grandes e estão aumentando, basta verificar que as usinas hidrelétricas de grande porte, atualmente em obras, situam-se na região amazônica (Santo Antônio, Jirau e Belo Monte), o que exige a construção de linhas de transmissão de complexidade e custos proporcionais.
Nessas circunstâncias, gerar eletricidade para suprir demandas isoladas e ainda disponibilizar algum excedente para oferecer à rede é uma alternativa interessante. O gás natural é fácil de transportar e possui uma boa imagem ambiental. Equipamentos para converter a energia contida no gás em eletricidade (e calor, em cogeração) estão disponíveis, tanto as turbinas quanto os motores de combustão interna.
Mesmo sabendo que essa alternativa já foi adotada há anos em vários países, a exemplo de Itália, Portugal e Espanha, o Brasil a utiliza muito pouco, ou quase nada. Para entender por que esse potencial é pouco aproveitado no país, o Instituto de Energia e Ambiente da Universidade de São Paulo (IEE-USP, novo nome do conhecido Instituto de Eletrotécnica e Energia) desenvolve um projeto de pesquisa intitulado “Geração distribuída e cogeração com gás natural: barreiras tecnológicas e institucionais”, com o apoio da distribuidora Comgás e da Agência Reguladora de Saneamento e Energia do Estado de São Paulo (Arsesp). O projeto é coordenado pelo professor doutor Ildo Sauer, diretor do IEE e ex-diretor de gás e energia da Petrobras.
“A Comgás já tem a percepção de que essa é uma oportunidade que está sendo desperdiçada de usar o gás natural de forma eficiente”, comentou Sauer. Para ele, a atual estratégia do governo federal de manter uma estrutura de energia de reserva apenas para o período seco do ano é inviável, tanto assim que o parque gerador termelétrico foi totalmente acionado durante o último período chuvoso (de outubro de 2012 a abril de 2013) para garantir o abastecimento de eletricidade, embora com alguns sustos. “O governo gastou um bilhão de reais por mês para suprir a falta de água e de vento por erro de planejamento”, criticou.
Na estrutura atual, o gás natural assumiu o papel de remendo na matriz hidrelétrica. A principal produtora, a Petrobras, alega não dispor de mais gás para vender em contratos firmes, por ser obrigada a reservar um volume elevado para suprimento eventual das usinas térmicas (reserva). Clientes industriais olham com desconfiança para um combustível suprido em regime intermitente. “O gás natural é inteligente quando substitui o petróleo, não é para ser um coringa para água e vento, é um desserviço econômico ao país”, afirmou. Ele defendeu que o gás precisa ter uma logística bem desenhada e usos racionais, que respeitem as leis da termodinâmica.
Sauer admite que, no passado, a geração distribuída não era eficiente. O IEE acompanha esse desenvolvimento há décadas – tem a primeira unidade de geração com painéis solares registrada na Aneel. “O Brasil adotou uma regulamentação rígida, tem custos elevados e riscos artificialmente altos, ou seja, o risco global da atividade de geração é baixo, mas é muito alto para relacionamentos individuais, entre gerador e rede, por exemplo”, explicou. Essa situação desestimulou investimentos.
“Atualmente, a estrutura tarifária foi remodelada e os juros para financiamento de projetos se tornaram mais adequados, e a geração distribuída e a cogeração ganharam algum apoio”, considerou. “O Brasil tem recursos naturais, humanos e tecnológicos, mas o sistema energético está sob risco.”